Nesta série, Romulo Bandeira traz as marcas do embate simbólico que perpassa toda a sua produção. Nas superfícies retangulares que escolheu para traçar Faces da Margem, sua figuração mostra uma exuberância decadente, ora com uma explosão de cores que parece se destacar para fora do espaço, ora com uma contenção cromática que aumenta a tensão entre as características que marcam esta família de pinturas do olhar periférico. Trata-se de um trabalho pesado, que soma-se a outras séries criadas para promover conexão entre a realidade e suas diversas cadeias semânticas. Composta por dois momentos intitulados Faces da Margem 1 e 2, evidenciam a busca de Bandeira por padronizar as superfícies de trabalho, fazendo ressaltar as possibilidades comunicativas latentes nas expressões que comumente são tomadas por ausências e apagamentos. O impacto social das obras é atravessado por seus aspectos temáticos e psicológicos, tanto advindos das faces chapadas, quanto do detalhamento de suas expressões, obrigando o olho a percorrer sobre a humanidade das figuras. A ausência de hierarquia entre elas faz com que cada um desses pontos seja uma porta possível à realidade social que grupos marginalizados vivem hoje no país. Este lugar de reconhecimento é tratado de forma propositiva no trabalho, assumindo uma experimentação a partir do que o artista imprime como demarcação de seus próprios territórios de referências. No percurso, fica subentendido seu olhar não estereotipado, que ressalta o anonimato de faces que se assemelham na transitoriedade e incompletude, porém se diferenciam pela singular atração que exercem sobre o observador. Tal elemento torna clara a relação que o artista faz entre a arte e a polis, uma relação que ele experimenta desde suas primeiras expressões de liberdade, quando ainda jovem mergulhava na arte urbana e quase sempre em suas deambualções deparava-se com tais esxpressões faciais em seus traços. Assim surgiu Faces da Margem. Em Faces da Margem, é notória a valorização do indivíduo sobre a hegemonização que a cultura, a economia e a política faz sobre ele, ao mesmo tempo em que demonstra os resultados destas sobre o primeiro. Claramente é um trabalho que trata das consequências que os diversos mecanismos de controle social provocam sobre a vida das pessoas pobres e periféricas. Outra impressão que as telas de Faces da Margem provoca é a discussão que implicitamente promovem acerca daquilo que diferencia os indivíduos sociais. De modos distintos, as telas apresentam um discurso crítico sobre o sistema vigente, remetendo à urgência de se pensar sobre o círculo de valorização e distribuição monetária que escraviza trabalhadores, mata populações indígenas, tortura negros e estupra infâncias. Ao trazer à evidência as faces do abandono, Romulo Bandeira evidencia a dinâmica de gueto implantada em todos os espaços do planeta, nas relações de exploração que se consolidam do entre-bairros ao entre-países. A pressão que o processo de marginalização gera ao despossuído não é romantizada no trabalho de Romulo Bandeira, pelo contrário, na medida em que o artista opta pelo reducionismo binário, aproxima propositalmente a forma do assunto, criticando declaradamente as estruturas sociopolíticas vigentes e suas tradições. Esse é mais um caminho que ele encontra para enunciar um discurso crítico sem se filiar a qualquer tipo de propaganda. Em uma espécie de grito por socorro, Faces da Margem clama pela utopia da repartição mais equitativa dos recursos planetários entre as diferentes classes sociais. Assumindo o corpo que desaparece, mostra rostos que comentam a trajetória de escassez de tantos outros rostos.